Escolha de Paulinho da Força como relator levanta debate sobre credibilidade do processo e expõe contradições no diálogo com o STF
O Congresso Nacional deu mais um passo rumo à discussão da anistia para os condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília. A aprovação da tramitação de urgência com 311 votos acelerou o debate, mas a indicação do deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP) como relator do projeto reacendeu questionamentos sobre a legitimidade e a transparência do processo.
Paulinho, que havia sido condenado em 2020 a mais de dez anos de prisão por lavagem de dinheiro e associação criminosa em um esquema de desvio de aproximadamente R$ 350 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), voltou ao centro da cena política. Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a condenação em instâncias iniciais, mas o ministro Dias Toffoli pediu vistas do processo, suspendendo o julgamento.
Em 2023, o caso voltou ao plenário do Supremo Tribunal Federal. Por maioria, os ministros decidiram absolver o deputado por falta de provas. O relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, chegou a afirmar que o acórdão era “bastante claro” e demonstrava que Paulinho atuou para favorecer o desvio de recursos. Apesar disso, prevaleceu o entendimento de que não havia elementos suficientes para mantê-lo condenado.
A escolha de Paulinho da Força para relatar a proposta de anistia pelo presidente Hugo Mota, exatamente pela proximidade do deputado com os ministros provocou fortes críticas. Em entrevista à CNN Brasil, ele afirmou que o projeto será um texto “ligt”, que vai “construir um texto” para a anistia, mas que, para isso, pretende conversar diretamente Michel Temer, como o presidente Lula e com os ministros do Supremo. O anúncio chamou atenção por expor uma contradição: o deputado, que chegou a classificar os manifestantes de 8 de janeiro como “terroristas”, agora se coloca como mediador de uma proposta que pode beneficiar justamente aqueles a quem ele atacou no passado.
STF, Bolsonaro e a questão do foro privilegiado
Enquanto o relator do projeto sobre a anistia fala em diálogo aberto com a Suprema Corte, o mesmo tribunal mantém uma postura dura contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e os cidadãos condenados pelos atos de 8 de janeiro. Uma das críticas levantadas por parlamentares e juristas é que Bolsonaro e os manifestantes civis não deveriam sequer ser julgados pelo STF, já que não possuem mais foro privilegiado.
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Atualmente, o ex-presidente cumpre prisão domiciliar, usando tornozeleira eletrônica, proibido de usar celular e de manter contato com os próprios filhos. A situação contrasta com a rotina de presídios brasileiros, onde criminosos comuns comandam golpes e organizações criminosas mesmo atrás das grades, sem que haja reação efetiva da Justiça ou do Congresso. Essa disparidade reforça a sensação de seletividade da Justiça brasileira, acusada por críticos de adotar dois pesos e duas medidas.
Vale lembrar que em nenhum momento durante o governo Bolsonaro houve acusações de corrupção envolvendo o então presidente. Ainda assim, ele é alvo de processos no STF por suposta incitação e envolvimento com os atos de 8 de janeiro, em uma narrativa que, para apoiadores, reflete mais um embate político do que a aplicação imparcial da lei.
A memória da anistia no Brasil
O debate sobre a anistia não é novo na história política do país. Durante o período da ditadura militar, movimentos de esquerda que atuaram em assaltos a bancos, sequestros e incêndios de ônibus acabaram beneficiados por uma anistia ampla. Além de terem suas penas perdoadas, muitos militantes foram posteriormente indenizados pelo Estado, recebendo valores significativos.
É justamente essa memória que embala as críticas à atual proposta. Para opositores do governo, a anistia aos condenados de 8 de janeiro não deveria ser parcial ou restritiva, mas sim ampla, geral e irrestrita, a exemplo da que beneficiou os militantes de esquerda no passado. Nesse raciocínio, qualquer medida que não contemple todos os envolvidos — de manifestantes comuns até lideranças políticas — será vista como “anistia meia boca”, incapaz de resolver a tensão social e política em torno do episódio.
Paulinho da Força e a relação com o STF
A presença de Paulinho da Força como relator também traz à tona a relação entre políticos e o Supremo Tribunal Federal. Sua condenação em 2020, seguida da absolvição em 2023 por “falta de provas”, é apontada por críticos como exemplo de como a Corte pode mudar de posição conforme o contexto político.

Na época, o relator do processo, ministro Roberto Barroso, afirmou que o acórdão era “bastante claro” ao demonstrar que Paulinho atuou para favorecer o desvio dos R$ 350 milhões do BNDES. Mesmo assim, prevaleceu a decisão de absolvê-lo, já que a maioria dos ministros entendeu não haver provas suficientes para sustentar a condenação.
Para os críticos, a situação atual mostra novamente como a Justiça pode agir de forma seletiva: o mesmo STF que persegue Bolsonaro e os manifestantes do 8 de janeiro é o que, em diferentes momentos, absolveu aliados políticos importantes.
O discurso sobre narrativas
Outro ponto lembrado no debate é o uso das chamadas “narrativas políticas”. O próprio presidente Lula já afirmou que “é preciso construir a narrativa correta” para sustentar determinadas políticas. Da mesma forma, a ex-presidente Dilma Rousseff ficou marcada pela frase de que o PT “faz o diabo para ganhar uma eleição”. Esses episódios alimentam a desconfiança de opositores, que veem a anistia como mais um capítulo de um jogo de narrativas e interesses, e não como uma decisão em prol da pacificação nacional.
Anistia: solução ou novo impasse?
Se por um lado a anistia busca reduzir tensões políticas e encerrar a crise aberta pelos atos de 8 de janeiro, por outro ela pode se transformar em um novo impasse. A escolha de Paulinho da Força como relator gera desconfiança sobre as intenções reais do Congresso. Além disso, a diferença de tratamento entre manifestantes e políticos condenados pelo STF reforça a crítica de que a Justiça no Brasil não é igual para todos.
O fato de Paulinho afirmar que vai consultar ministros do STF para moldar o texto final só reforça a percepção de que o processo não será pautado pela independência do Parlamento, mas pela influência direta da Suprema Corte. Para críticos, esse movimento esvazia ainda mais a credibilidade da proposta.
No fim das contas, a questão central permanece: o país precisa de uma anistia restrita, que alcance apenas parte dos envolvidos, ou de uma anistia ampla, que contemple todos, como aconteceu em momentos históricos passados?
Enquanto a resposta não chega, o debate segue acalorado no Congresso, no STF e nas ruas. A anistia, que deveria ser um instrumento de reconciliação, corre o risco de se transformar em mais um símbolo de divisão.





