Projeto que cria espaço exclusivo para motociclistas já é lei na cidade, mas especialistas questionam a viabilidade em vias movimentadas e apertadas
O trânsito de Feira de Santana está prestes a ganhar uma novidade que já provoca discussões entre motoristas e motociclistas: a implantação da Faixa Azul, área exclusiva para circulação de motos nas principais vias. O projeto, que nasceu na Câmara Municipal e foi aprovado sem grandes resistências, já conta com a sanção do Executivo e se tornou lei.
A proposta segue um modelo que vem sendo testado em outras cidades brasileiras, com o objetivo de reduzir acidentes e dar mais fluidez ao trânsito. A ideia é simples: criar um corredor pintado no asfalto, com cerca de 1 metro a 1,20 metro de largura, reservado apenas para motos. Na prática, esse espaço seria demarcado entre as faixas de rolamento de carros, ônibus e caminhões.
Mas em Feira, cidade que convive diariamente com congestionamentos e ruas já consideradas estreitas, a novidade divide opiniões e levanta uma série de dúvidas sobre sua real eficácia.
Quem anda pelo centro da cidade sabe: a convivência entre carros e motos nunca foi fácil. Em vias como a Avenida Senhor dos Passos, motoristas se queixam do avanço das motocicletas entre os veículos, enquanto motociclistas reclamam da falta de respeito e do risco constante de colisões.
É nesse cenário que a Faixa Azul aparece como alternativa. “A ideia é organizar melhor a circulação e diminuir a disputa por espaço, que hoje é uma das principais causas de acidentes”, explica um especialista em mobilidade urbana ouvido pela reportagem.
Porém, a mesma fonte alerta: “Se não houver estudo técnico adequado, o remédio pode sair mais caro que a doença. Ruas estreitas podem se tornar ainda mais perigosas com a criação de um corredor artificial”.
Faixa azul na Avenida Senhor dos Passos

A discussão se concentra principalmente na Avenida Senhor dos Passos, um dos pontos mais movimentados de Feira de Santana. Diariamente, milhares de veículos circulam por ali, especialmente entre a Praça do Nordestino e a Avenida Getúlio Vargas.
A via conta hoje com três faixas: uma exclusiva para ônibus, outra tomada por estacionamentos e pontos de táxi e mototáxi, restando apenas uma faixa de rolamento para os carros. Se a Faixa Azul for criada nesse trecho, o espaço para automóveis ficaria ainda mais reduzido.
“Já é difícil passar aqui sem raspar o retrovisor. Com mais uma divisão no asfalto, o trânsito vai travar de vez”, reclama um motorista que trabalha como motorista de aplicativo e usa a via todos os dias.
Outro obstáculo à implantação da Faixa Azul está nas mudanças urbanísticas que o centro da cidade recebeu nos últimos anos. Com a ampliação dos passeios para pedestres, diversas ruas tiveram suas pistas reduzidas. Esse é o caso de trechos da Rua Conselheiro Franco e da Marechal Deodoro, onde mal cabem dois carros lado a lado.
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“Essas ruas já ficaram apertadas depois das obras. Colocar a Faixa Azul nelas seria praticamente impossível”, comenta uma comerciante que atua na região central.
O projeto da Faixa Azul em Feira de Santana tem origem curiosa. A proposta surgiu após o vereador Lulinha da conceição observar a experiência em outra cidade e decidir apresentar a ideia aos colegas. O texto foi aprovado rapidamente e sancionado pelo prefeito José Ronaldo, transformando-se em lei.
O problema, segundo especialistas, é que não foram realizados estudos técnicos detalhados sobre a viabilidade. Não houve medições de largura, análises de fluxo de veículos ou simulações de impacto no trânsito.
“Não se trata apenas de pintar o asfalto. É preciso avaliar se há espaço físico e se a medida realmente trará benefícios. Caso contrário, podemos agravar o que já é ruim”, afirma um engenheiro de tráfego consultado pela reportagem.
Do outro lado, motociclistas enxergam a novidade como um avanço. Feira de Santana possui uma das maiores frotas de motos do interior do Nordeste, utilizadas tanto para transporte pessoal quanto para o trabalho de entregadores e mototaxistas.
Para muitos, a Faixa Azul pode representar mais segurança. “Hoje a gente fica espremido entre ônibus e carros grandes. Qualquer descuido pode causar um acidente grave. A faixa vai ajudar a salvar vidas”, defende um mototaxista que trabalha no centro.
Ainda não há uma data definida para a implantação. Enquanto isso, motoristas, motociclistas e pedestres seguem acompanhando a discussão com expectativa. A medida pode trazer benefícios, mas também carrega o risco de piorar os congestionamentos em vias já sobrecarregadas.
A experiência de outras cidades mostra que a Faixa Azul pode reduzir acidentes. Porém, a realidade de Feira é diferente, e cada rua apresenta particularidades. Sem estudos técnicos detalhados e sem adaptações estruturais, o projeto corre o risco de se transformar em mais um fator de tensão no trânsito.
A Faixa Azul em Feira de Santana é hoje mais um capítulo da longa discussão sobre mobilidade urbana no município. De um lado, o desejo de reduzir acidentes envolvendo motociclistas, que aumentam a cada ano. De outro, a necessidade de garantir espaço seguro para todos os veículos em ruas que já não comportam o volume atual de tráfego.
O desafio do poder público será equilibrar essas demandas. A implantação da Faixa Azul pode ser um passo importante, mas só terá resultado positivo se for acompanhada de planejamento, estudos técnicos e diálogo com a população. Sem isso, a novidade pode acabar sendo mais um problema no já caótico trânsito feirense.





